04/01/2014

Capitulo 16 (Faltam 8)

- Quem foi o Presidente dos Estados Unidos durante a Terceira Guerra Mundial? — Silvia perguntou durante a aula.
Eu não sabia essa. Olhei para o teto na esperança de que não me chamasse. Por sorte, Amy ergueu o braço e respondeu:
— O presidente Wallis.
Estávamos mais uma vez no Grande Salão, no começo de uma semana de aulas de história. Bem, na verdade era mais uma prova de história. Tratava-se de uma matéria em que o conhecimento das pessoas variava muito, dependendo de quais eram os fatos ensinados e de como tinham sido transmitidos. Minha mãe sempre nos ensinou história oralmente. Tínhamos livros e apostilas para aprender inglês e matemática, mas poucos eram os acontecimentos de nosso passado que eu tinha certeza de serem verdadeiros.
— Correto. Wallis foi presidente antes do ataque chinês e continuou a liderar os Estados Unidos ao longo da guerra — confirmou Silvia.
Repeti o nome na minha cabeça: Wallis, Wallis, Wallis. Realmente queria me lembrar daquilo para contar a Maddie e a Frankie quando voltasse para casa. Só que estávamos aprendendo tantas coisas que ia ser difícil memorizar tudo.
— Qual foi o motivo que levou a China a invadir o país? Blanda? — continuou Silvia.
Blanda sorriu:
— Dinheiro. Os americanos deviam muito dinheiro aos chineses e não tinham como pagar.
— Excelente, Blanda — elogiou Silvia com um sorriso. Como ela conseguia dominar as pessoas assim? Era tão irritante. — Quando os Estados Unidos não conseguiram saldar sua dívida, os chineses tomaram o país. Para a infelicidade deles, porém, essa ação não lhes rendeu um centavo, já que os Estados Unidos estavam mais do que quebrados. No entanto, ficaram com a mão de obra americana. Como os chineses passaram a chamar os Estados Unidos depois da conquista?
Eu e algumas outras levantamos a mão.
— Jenna? — chamou Silvia.
— Estado Americano da China.
— Sim. O Estado Americano da China tinha a aparência do antigo país, mas parava por aí. Os chineses comandavam tudo dos bastidores. Eles influenciavam os principais acontecimentos políticos e forçavam a aprovação do que fosse favorável a eles.
Silvia caminhava devagar por entre as carteiras. Senti-me como um rato no campo de visão de um bando de gaviões que voava cada vez mais baixo.
Olhei para o resto da classe. Poucas pessoas pareciam confusas. Pelo visto, aquilo tudo era básico.
— Alguém gostaria de acrescentar algo? — perguntou Silvia.
Foi a hora de Bariel se manifestar:
— A invasão chinesa motivou vários países, especialmente na Europa, a se alinhar e fazer alianças.
— Sim — confirmou Silvia. — O Estado Americano da China, porém, não tinha muitos amigos naquele tempo. Os antigos estados demoraram cinco anos para voltar a se unir. Como poderiam fazer alianças? — ela explicou, tentando expressar a dificuldade daquela época com um rosto cansado. — O Estado Americano da China planejava combater a China, mas teve que enfrentar outra invasão. Que país tentou ocupá-lo depois?
Vários braços erguidos. Alguma garota gritou “Rússia” sem ser chamada. Silvia procurou a infratora, mas não conseguiu localizá-la.
— Correto — disse, um pouco desgostosa. — A Rússia tentou expandir seu território nas duas direções e fracassou completamente. Esse fracasso, porém, deu ao Estado Americano da China a oportunidade de se rebelar. Como?
Selena ergueu o braço e explicou:
— Toda a America do Norte uniu-se para combater a Rússia, porque estava claro que eles queriam mais do que o Estado Americano da China. E o combate contra a Rússia foi facilitado pela própria China, que também a atacava pela tentativa de roubar sua propriedade.
Silvia deu um sorriso orgulhoso.
— Sim. E quem comandou o ataque à Rússia?
A classe inteira falou em voz alta:
— Gregory Illéa.
Algumas garotas até bateram palmas. Silvia aprovou a manifestação com a cabeça.
— Graças a ele nosso país nasceu. As alianças firmadas pelo Estado Americano da China formaram uma frente unida, e a reputação dos Estados Unidos estava tão arruinada que ninguém queria reaproveitar o nome. Assim, a nova nação se formou sob a liderança e o nome de Gregory Illéa. Ele salvou o país.
Emmica ergueu o braço e Silvia a deixou falar.
— De certa forma, somos como ele. Quer dizer, também servimos nosso país. Ele foi apenas um cidadão comum que doou seu dinheiro e conhecimento para uma causa. E mudou tudo — defendeu Emmica, cheia de admiração.
— É um jeito muito bonito de ver as coisas — comentou Silvia. — E exatamente como ele, uma de vocês será elevada à realeza. Porque Gregory Illéa se tornou rei quando se casou com um membro da realeza. O que vai acontecer com uma de vocês.
Silvia parou uns instantes em êxtase, de modo que demorou para perceber que Tuesday tinha erguido o braço.
— Humm, por que não escrevem um livro sobre essas coisas? Aí poderíamos estudar... — ela comentou com um pouco de irritação na voz.
Silvia balançou a cabeça.
— Ora, meninas, não é preciso estudar história. Basta saber.
Miley se voltou para mim e cochichou:
— Mas é óbvio que não sabemos.
Ela riu da própria piada e voltou a prestar atenção em Silvia. Pensei como nos contavam várias coisas e tínhamos que adivinhar quais eram verdade. Por que simplesmente não nos davam livros de história?
Lembrei-me de um episódio ocorrido alguns anos antes. Eu tinha entrado no quarto dos meus pais, porque minha mãe dissera que eu podia ler o livro que quisesse para as aulas de inglês. Considerei as opções e peguei um livro grosso e antigo escondido no canto da estante. Era sobre a história dos Estados Unidos. Meu pai entrou uns minutos mais tarde e viu o que eu estava lendo. Disse que não havia problema, desde que eu não contasse para ninguém.
Quando ele me pedia para guardar um segredo, eu o fazia sem pestanejar. Além do mais, eu adorava folhear aquelas páginas. Bom, pelo menos as que ainda estavam legíveis. Muitas tinham sido arrancadas e as bordas dos livros davam a impressão de que alguém tinha tentado queimá-lo. Mas foi ali que vi uma foto da antiga Casa Branca e aprendi sobre os feriados do passado.
Nunca pensei em questionar a ausência de verdades até dar de frente com ela. Por que o rei queria que tivéssemos apenas uma vaga noção dos fatos?

Os flashes pararam depois de mais uma foto de Joseph e Natalie com sorrisos radiantes.
— Natalie, abaixe o queixo só um pouquinho. Isso.
O fotografo tirou mais uma, preenchendo o salão com a luz.
— Acho que é o bastante. Quem é a próxima? — perguntou.
Blanda se aproximou. Um grupo de criadas do palácio permaneceu em volta dela até o fotógrafo aprontar a câmera. Natalie, ainda ao lado de Joseph, disse algo e fez uma pose charmosa. Ele respondeu discretamente e ela saiu de cena com um sorriso.
Tinham nos dito no dia anterior, depois da aula de história, que a foto era apenas para divertir o público, mas eu não deixava de ver um peso real por trás disso. Alguém tinha escrito um editorial de revista sobre o visual de uma princesa. Não li o artigo, mas Emmica e outras leram. Segundo elas, o texto falava que Joseph deveria encontrar alguém de aparência nobre, que saísse bem nas fotos ao seu lado, alguém que ficasse bonita em um selo.
Então lá estávamos nós, enfileiradas, todas com um vestido creme de manguinhas e cintura baixa, e uma echarpe vermelha nos ombros, tirando fotos com Joseph. Todas sairiam na mesma revista, e a equipe de edição ia escolher suas preferidas. Era o que me incomodava desde o começo: a ideia de que Joseph só estava em busca de um rosto bonito. Agora que o conhecia, sabia que não era verdade, mas me irritava que as pessoas o vissem assim.
Dei um suspiro de descontentamento. Algumas garotas circulavam mascando chiclete e conversando, mas a maioria, inclusive eu, permaneceu de pé em volta do estúdio que fora montado no Grande Salão. Um grande tapete dourado — que lembrava os panos que meu pai usava em casa para evitar respingos de tinta no chão — cobria a parede de alto a baixo. Um sofá pequeno estava posicionado em um dos lados, enquanto um pilar ficava no outro. No meio, a insígnia de Illéa, que dava àquela bobeira um ar patriótico. Observávamos cada uma das Selecionadas desfilar por aquele espaço e ser fotografada. Muitas das presentes murmuravam sobre o que aprovavam e desaprovavam no desempenho da concorrente ou sobre o que fariam na sua vez.
Blanda foi em direção a Joseph com uma luz nos olhos, e o príncipe sorriu com sua chegada. Assim que parou ao lado dele, sussurrou algo em seu ouvido. Seja o que for, Joseph se inclinou para trás de tanto rir e balançou a cabeça em aprovação ao segredinho dos dois. Como alguém podia se dar tão bem comigo e com ela ao mesmo tempo?
— Muito bem, senhorita, vire-se para a câmera e sorria, por favor — pediu o fotógrafo, que foi prontamente atendido por Blanda.
Ela voltou o rosto na direção de Joseph e pôs uma das mãos no peito dele, inclinando a cabeça um pouco para a frente e abrindo um sorriso profissional. Blanda parecia saber tirar vantagem da iluminação e do estúdio, e passou o tempo todo empurrando o príncipe um pouco para a frente ou para trás, além de insistir várias vezes para os dois mudarem de pose. Enquanto algumas meninas aproveitavam para fazer aqueles momentos com Joseph durarem o máximo possível — especialmente aquelas que ainda não haviam tido um encontro com ele —, Blanda quis demonstrar o máximo de eficiência.
Em um piscar de olhos ela tinha terminado. O fotógrafo chamou a próxima. Eu estava tão ocupada vendo-a deslizar os dedos pelos braços do príncipe ao sair que uma criada teve que fazer a gentileza de avisar que estavam me chamando.
Fiz um sinal com a cabeça e me levantei, determinada a não perder o foco. Segurei a saia do vestido e andei na direção de Joseph. Seus olhos se desviaram de Blanda para mim e — talvez fosse imaginação minha — ficaram um pouco mais iluminados.
— Olá, minha querida — ele cantarolou.
— Nem comece — avisei, mas o príncipe apenas riu de mim e estendeu o braço.
— Um segundo. Sua echarpe está torta.
— Era de esperar — comentei. Aquilo era tão pesado que eu sentia que caía das minhas costas a cada passo.
— Acho que assim dá para o gasto — ele disse em tom de piada.
— Bem que eles podiam pendurar você com os lustres depois, não? — rebati, caçoando das medalhas de ouro em seu peito.
O uniforme dele, parecido com o usado pelos guardas — embora infinitamente mais elegante — também trazia ombreiras douradas e uma espada na cintura. Era um pouco demais.
— Olhem para a câmera, por favor — pediu o fotógrafo.
Levantei a cabeça e vi não apenas dois olhos, mas os de todas as Selecionadas cravados em mim. Meus nervos saíram do controle.
Sequei as mãos úmidas de suor no vestido e soltei o ar.
— Não fique nervosa — ele sussurrou.
— Não gosto que todos fiquem olhando para mim.
O príncipe me puxou para muito perto de si e passou a mão pela minha cintura. Quis me afastar, mas o braço dele estava bem firme em mim.
— Apenas olhe para mim como se não aguentasse mais a minha cara — ele sugeriu, fazendo uma careta de mau humor. Foi o bastante para me fazer cair na risada.
A câmera disparou naquele exato momento e nos pegou rindo.
— Viu? — disse Joseph. — Não é tão ruim.
— Talvez.
Continuei tensa por alguns minutos. O fotógrafo gritou suas instruções e o príncipe relaxou o braço na minha cintura, depois me virou de modo que minhas costas ficassem contra seu peito.
— Excelente — incentivou o fotógrafo. — Podemos fazer umas no sofá?
Eu me sentia melhor agora que metade já tinha passado. Sentei-me perto de Joseph com a melhor postura que pude produzir. Ele ficava o tempo todo fazendo cócegas em mim ou me cutucando, e meu sorriso foi aumentando até explodir em uma gargalhada. Eu tinha esperança de que o fotógrafo estivesse captando os momentos antes de eu fazer caretas de riso. Do contrário, seria um desastre.
Pelo canto dos olhos, notei uma mão acenando. Joseph percebeu logo em seguida. Um homem de terno estava de pé ali, e queria falar com o príncipe. Joseph fez um sinal para que se aproximasse, mas o homem hesitou, evidentemente consternado com minha presença.
— Ela pode ouvir — Joseph consentiu.
O homem então se aproximou, ajoelhou-se diante dele e disparou:
— Ataque rebelde em Midston, Majestade.
Joseph suspirou preocupado e baixou a cabeça.
— Eles queimaram fazendas e mataram cerca de doze pessoas —
completou o homem.
— Em que parte de Midston?
— A oeste, senhor, perto da fronteira.
Joseph inclinou a cabeça devagar, como se estivesse acrescentando aquela informação a seu inventário mental.
— O que meu pai diz?
— Na verdade, Majestade, ele quer saber sua opinião.
Joseph pareceu surpreso por uma fração de segundo.
— Localize as tropas a sudoeste de Sota e em toda a região de Tammins. Não é necessário ir muito ao sul e chegar a Midston. Seria perda de tempo. Veja se conseguimos interceptá-los — ele ordenou.
— Perfeito, senhor.
O homem se levantou e fez uma reverência. Depois, desapareceu tão rapidamente como tinha aparecido.
Eu sabia que devíamos continuar a sessão de fotos, mas Joseph parecia não estar nem um pouco interessado nela agora.
— Você está bem? — perguntei.
O príncipe concordou com a cabeça, muito sério, e respondeu:
— Fico pensando nas pessoas.
— Talvez devêssemos parar — sugeri.
Ele balançou a cabeça, aprumou-se e sorriu, pondo minha mão sobre a sua.
— Um dos requisitos dessa profissão é a capacidade de parecer calmo quando se está muito longe disso. Por favor, sorria, Demetria.
Endireitei a postura e dei um sorriso tímido para os cliques do fotógrafo. No meio daquelas últimas fotos, Joseph apertou minha mão, e eu fiz o mesmo. Naquele momento, senti que tínhamos uma ligação forte e verdadeira.
— Muito obrigado. A próxima, por favor? — o fotógrafo repetiu. Quando nos levantamos, Joseph segurou novamente minha mão.
— Por favor, não diga nada. É de extrema necessidade que seja discreta.
— Claro.
O barulho dos saltos caminhando em nossa direção me lembrou de que não estávamos sós, embora eu quisesse permanecer ali. Ele deu um último aperto em minha mão e me soltou. Enquanto ia para meu lugar, pensei em muitas coisas. Pensei em como era bom saber que o príncipe confiava em mim a ponto de me permitir saber esse segredo; e em como essa confiança fez com que nos sentíssemos sozinhos por uns instantes. Depois, pensei nos rebeldes e em como o rei conseguia quase sempre ser rápido na contenção das rebeliões. Só que essa informação eu devia guardar para mim. Não fazia muito sentido.
— Janelle, minha querida — Joseph disse assim que viu a próxima garota se aproximar.
Ri internamente com aquele afeto fingido e manjado. Ele baixou a voz, mas ainda assim ouvi o que disse a seguir.
— Antes que eu esqueça, está livre esta tarde?
Algo fez com que meu estômago desse um nó. Parecia uma crise de nervos tardia.
— Ela deve ter feito algo péssimo — insistiu Amy.
— Não foi isso que deu a entender — rebateu Selena.
Tuesday puxou o braço de Selena e disparou:
— O que ela disse mesmo?
Janelle fora mandada para casa.
Era crucial para nós entender a eliminação, porque tinha sido a primeira eliminação isolada que não fora motivada por um descumprimento de regras. Não houve uma debandada em massa baseada na primeira impressão nem um pedido para ir embora por medo. Ela tinha feito algo errado, e queríamos saber o quê.
Selena, cujo quarto ficava em frente ao de Janelle, tinha visto a garota entrar e fora a última pessoa com quem ela conversara antes de ir embora. Ela deu um suspiro e repetiu a história pela terceira vez:
— Ela e Joseph foram caçar, mas vocês sabiam disso — começou, gesticulando como se quisesse clarear o pensamento.
O encontro de Janelle era mesmo de conhecimento comum. Depois da sessão de fotos do dia anterior, ela espalhou a notícia para quem quisesse ouvir.
— Foi seu segundo encontro com Joseph. Ela foi a única a ter dois — comentou Bariel.
— Não, não foi — murmurei.
Algumas cabeças se voltaram para mim e confirmaram minha declaração. Era verdade, apesar de tudo. Janelle fora a única garota a ter dois encontros com Joseph além de mim. Não que eu contasse.
Selena continuou:
— Ela voltou chorando. Perguntei o que tinha e ela respondeu que ia embora, que Joseph tinha mandado que voltasse para casa. Dei um abraço nela. Estava tão transtornada... Depois, perguntei o que tinha acontecido, e ela disse que não podia contar. Não entendo isso. Será que não temos autorização para falar por que fomos eliminadas?
— Isso não estava nas regras, estava? — perguntou Tuesday.
— Ninguém falou nada a respeito — apontou Amy, e muitas outras confirmaram.
— Mas o que ela disse então? — Blanda insistiu.
Selena deu outro suspiro:
— Para eu tomar cuidado com o que falo. Depois, entrou no quarto e bateu a porta.
O salão ficou alguns minutos em um silêncio reflexivo.
— Ela deve ter insultado o príncipe — Elayna sugeriu.
— Bem, se esse for o motivo da saída dela, é uma injustiça. Joseph afirmou que alguém neste salão o insultou na primeira vez em que se viram — reclamou Blanda.
As garotas começaram a olhar em volta na tentativa de identificar a culpada, talvez com o desejo de fazer com que ela — com que eu — fosse embora também. Lancei um olhar nervoso para Miley, e ela entrou em ação.
— Será que ela falou do país? De política ou algo assim?
Bariel estalou a língua.
— Por favor! Imagine a chatice que estava sendo o encontro para eles começarem a falar de política... Por acaso alguém aqui chegou a conversar sobre a administração do país com Joseph?
Ninguém respondeu.
— Claro que não — continuou Bariel. — Joseph está em busca de uma esposa, não de uma assistente.
— Você não acha que está subestimando o príncipe? — argumentou Selena. — Ele deve querer alguém com ideias e opiniões.
Blanda se jogou para trás e riu:
— Joseph pode muito bem administrar o país. Foi treinado para isso. Além disso, tem equipes para ajudá-lo a tomar decisões. Por que ia querer alguém para lhe dizer o que fazer? Se eu fosse você, começaria a aprender como manter a boca fechada. Pelo menos até que ele se case com você.
Bariel se pôs ao lado de Blanda e completou:
— O que não vai acontecer.
— Exatamente — assentiu Blanda com um sorriso. — Por que ele ia se importar com uma Três metida a inteligente se pode ter uma Dois?
— Ei! — gritou Tuesday. — Joseph não se importa com números.
— Claro que se importa — replicou Blanda, como se estivesse falando com uma criança. — Por que você acha que todas abaixo da quarta casta já foram embora?
— Presente — eu disse, erguendo o braço. — Se acha que entende o príncipe, está errada.
— Ah, a menina que não sabe calar a boca — reclamou Blanda, fingindo-se impressionada.
Cerrei o punho, pensando se valeria a pena bater nela. Seria parte de seu plano? Mas antes que eu pudesse me mover, Silvia irrompeu porta adentro.
— Correio, senhoritas! — ela avisou, e a tensão no salão se desfez.
Todas paramos, ansiosas para pôr as mãos nas novidades que Silvia trazia. Fazia quase duas semanas que estávamos no palácio, e tirando a vez em que recebemos notícias de nossas famílias, no segundo dia, era nosso primeiro contato real com elas.
— Vejamos — disse Silvia, revirando as pilhas de cartas sem ter a menor ideia da briga que estava se armando segundos antes da sua entrada. — Senhorita Tiny? — ela chamou, procurando a destinatária com os olhos.
Tiny levantou a mão e foi para a frente do salão. Silvia continuou.
— Senhorita Elizabeth? Senhorita Demetria?
Praticamente corri até ela e tomei a carta de sua mão. Eu estava faminta por palavras da minha família. Com a carta em meu poder, fui para o canto saborear aquele momento.
Querida Demetria,
Não vejo a hora de sexta-feira chegar. Não acredito que vai falar com Gavril Fadaye! Você é muito sortuda.
Com certeza eu não me sentia sortuda. Gavril ia tratar de fritar todas nós no dia seguinte. Não fazia ideia do que ele ia perguntar, mas tinha certeza de que eu ia fazer papel de idiota.
Vai ser bom ouvir sua voz de novo. Sinto saudades de ouvir sua cantoria pela casa. Mamãe não faz isso, e a casa está muito quieta desde que você partiu. Será que podia dar um tchauzinho para mim durante o programa? Como vai a competição? Você tem muitas amigas aí? Chegou a conversar com alguma das garotas mandadas embora? Mamãe está dizendo que se você sair agora não será problema. Metade das meninas que voltaram para casa já está noiva de filhos de prefeitos e celebridades. Ela diz que alguém vai querer você se Joseph não quiser. Frankie torce para que se case com um jogador de basquete em vez de um príncipe chato. Mas eu não me importo com o que dizem. Joseph é fantástico! Vocês já se beijaram?
Beijar? Acabamos de nos conhecer. Aliás, nem haveria motivos para Joseph me beijar.
Aposto que ele tem o melhor beijo do universo. Acho que é uma obrigação dos príncipes!
Tenho tanta coisa para contar, mas a mamãe quer que eu vá pintar. Escreva logo. Uma carta longa!
Com muitos e muitos detalhes!
Te amo! Todos amamos.
Maddie
Então as eliminadas já estavam sendo atacadas pelos ricos. Eu não sabia que ser a sobra de um príncipe fazia de alguém um bom investimento. Circulei pelo quarto, ruminando as palavras de Maddie.
Queria saber o que estava acontecendo. Imaginava o que teria ocorrido de verdade com Janelle. Além de estar curiosa para saber se Joseph tinha mais um encontro naquela noite. Queria muito vê-lo.
Minha mente começou a girar em busca de uma maneira de falar com ele. Foi quando deparei com o papel em minhas mãos.
A segunda página da carta de Maddie estava quase toda em branco. Rasguei um pedaço dela enquanto perambulava pela sala. Algumas garotas ainda estavam enterradas nas cartas da família, ao passo que outras compartilhavam as notícias recebidas. Depois de dar uma volta, parei ao lado do livro de visitas do Salão das Mulheres e peguei uma caneta.
Escrevi rapidamente no pedaço de papel.
Vossa Majestade,
Mão na orelha. Quando puder.
Saí do salão como se fosse apenas ao banheiro e olhei os dois lados do corredor. Vazio. Fiquei ali, à espera, até que uma criada surgiu com uma bandeja nas mãos.
— Com licença — chamei discretamente, mas minha voz ecoava pelo corredor.
A moça fez uma reverência.
— Sim, senhorita?
— Por acaso essa bandeja é para o príncipe?
Ela sorriu:
— Sim, senhorita.
— Poderia entregar isto a ele? — pedi, passando-lhe meu bilhete dobrado.
— Claro, senhorita!
Ela tomou o bilhete nas mãos sôfregas e continuou seu caminho com energia redobrada. Não tinha dúvidas de que o leria assim que eu não pudesse vê-la, mas minha frase misteriosa me deixava tranquila.
Os corredores eram fascinantes. Cada um deles era mais decorado que minha casa inteira. O papel de parede, os espelhos dourados, os vasos gigantes com flores frescas e lindas. Os carpetes eram luxuosos e imaculados, as janelas brilhavam e as pinturas nas paredes eram adoráveis.
Algumas pinturas eram de artistas que eu conhecia — Van Gogh, Picasso —, mas havia outras que não. Havia também fotos de prédios que eu já vira antes. Uma delas retratava a lendária Casa Branca. Pelas fotos que vi e pelo que li no meu velho livro de história, o palácio a superava em tamanho e luxo. Mesmo assim, gostaria que ela ainda existisse para poder vê-la.
Avancei um pouco mais no corredor e dei com um retrato da família real. Parecia antigo. Joseph era menor que a mãe. Agora, ela parecia uma anã ao lado dele.
Desde que havia chegado ao palácio, só os vi juntos nos jantares e na transmissão do Jornal Oficial de Illéa. Será que eram assim tão reservados? Por acaso não gostavam de ter todas essas jovens estranhas em casa? Ficavam ali apenas pelo dever? Eu não sabia como lidar com essa família invisível.
— Demetria?
Virei-me ao som de meu nome. Joseph descia com pressa as escadas em minha direção.
Era como se eu o visse pela primeira vez.
Ele estava sem o paletó e com as mangas da camisa arregaçadas. A gravata azul estava folgada em volta do pescoço, e o cabelo — quase sempre puxado para trás — agitava-se um pouco quando ele se movia. Um contraste gritante com a pessoa de uniforme que eu havia visto no dia anterior; Joseph parecia mais jovial, mais real.
Gelei. Ele se aproximou e agarrou meus pulsos.
— Você está bem? O que houve de errado? — quis saber.
Errado?
— Nada, estou bem — respondi.
O príncipe soltou um suspiro de alívio que eu não tinha notado que estava segurando.
— Ainda bem. Quando recebi seu bilhete, pensei que estivesse doente ou que algo tinha acontecido com sua família.
— Não, não. Joseph, sinto muito. Sabia que era uma ideia idiota. É que não tinha certeza de que você estaria no jantar e quis te ver antes.
— Bem, e para quê? — perguntou Joseph, ainda me examinando com a testa franzida, como que para se certificar de que eu estava mesmo bem.
— Só para ver você.
Ele ficou parado e me olhou nos olhos, admirado.
— Você só queria me ver?
O príncipe pareceu ter ficado alegremente surpreendido com minha resposta.
— Não fique tão chocado. Amigos geralmente passam tempo juntos — respondi, e o tom da minha voz tentava expressar a obviedade daquilo.
— Ah, você está chateada comigo porque estou cheio de compromissos esta semana, não está? Não era minha intenção deixar nossa amizade de lado, Demetria.
Ele tinha voltado a ser o Joseph formal de sempre.
— Não, não estou brava. Só estava me explicando. Mas você parece ocupado. Volte ao trabalho. A gente se vê quando você estiver livre.
Notei que ele ainda segurava meus pulsos.
— Na verdade, você se incomodaria se eu ficasse alguns minutos? Eles estão fazendo uma reunião de orçamento lá em cima, e odeio esse tipo de coisa.
Sem esperar minha resposta, Joseph me arrastou para um sofá estreito e flanelado no meio do corredor, embaixo de uma janela. Deixei escapar uma risadinha quando sentamos.
— O que é tão engraçado? — ele perguntou.
— Você — eu disse, com um sorriso no rosto. — É engraçado saber que fica incomodado com o trabalho. O que há de tão ruim nessas reuniões?
— Ah, Demetria! — ele lamentou, voltando o rosto para mim. — Eles só andam em círculos. Meu pai até consegue acalmar os conselheiros, mas é difícil demais fazer os comitês seguirem qualquer instrução. Minha mãe sempre fica no pé do meu pai para que ele dê mais dinheiro para educação. Ela acha que quanto mais educação todos tiverem, menores as chances de surgirem criminosos, e eu concordo com ela. Mas meu pai nunca é forte o bastante para fazer o conselho retirar verbas de áreas que poderiam passar muito bem com menos recursos. Fico furioso! E como se eu estivesse no comando, então minha opinião é facilmente desprezada.
Joseph pôs os cotovelos nos joelhos e apoiou a cabeça nas mãos. Ele parecia cansado.
Eu estava vendo um pouco do mundo dele, que ficava além de toda a imaginação. Como alguém podia rejeitar a opinião de seu futuro soberano?
— Sinto muito. Mas veja o lado positivo: você terá mais voz no futuro — consolei o príncipe, passando a mão em suas costas para encorajá-lo.
— Eu sei. Digo isso a mim mesmo. Mas é tão frustrante, porque poderíamos mudar as coisas agora se eles ao menos ouvissem. — Era difícil escutar uma voz que ia em direção ao carpete.
— Bem, não fique tão desmotivado. Sua mãe está no caminho certo, mas educação não vai resolver nada por si só.
Joseph levantou a cabeça.
— O que você quer dizer?
Seu tom era quase de acusação. O que era justo. Ali estava a ideia que ele vinha defendendo, e eu a destruí. Tentei contemporizar:
— Bem, comparada à educação com os tutores fantásticos que pessoas como você têm, a educação dos Seis e Sete é uma lástima. Acho que melhores professores e instalações fariam um bem imenso. Mas e o que dizer dos Oito? Não é essa a casta de que faz parte a maioria dos criminosos? Eles não recebem nenhuma educação. Se tivessem um pouco, um pouquinho que fosse, talvez ficassem mais motivados.
Fiz uma pausa e retomei o raciocínio. Não sabia se minhas próximas palavras poderiam ser compreendidas por um garoto que sempre teve tudo à mão.
— Além disso... Você já sentiu fome, Joseph? Não apenas aquela fome antes do jantar, mas fome de verdade? Se aqui não tivesse absolutamente nenhuma comida, nada para seu pai e para sua mãe, e você soubesse que podia pegar um pouco das pessoas que comem mais em um dia do que você vai comer a vida inteira... O que faria se sua família estivesse contando com você? O que faria por alguém que ama?
Ele permaneceu em silêncio por uns instantes. Antes, quando conversamos sobre minhas criadas durante o ataque, percebemos o abismo que nos separava. O tema agora era muito mais controverso, e dava para notar que ele queria evitar a discussão.
— Demetria, não estou negando que a vida de algumas pessoas seja dura, mas roubar é...
— Feche os olhos, Joseph.
— O quê?
— Feche os olhos.
Ele fez uma cara feia, mas obedeceu. Antes de começar, esperei até seus olhos estarem completamente fechados e seu rosto parecer mais leve.
— Em algum lugar deste palácio está a mulher que será sua esposa.
Notei que sua boca tremeu, esboçando um sorriso de esperança.
— Talvez você ainda não saiba quem ela é, mas pense nas garotas no salão. Imagine aquela que mais ama. Imagine sua “querida”.
A mão dele estava ao lado da minha, e seus dedos resvalaram nos meus por um momento. Puxei a mão.
— Desculpe — ele murmurou, abrindo os olhos na minha direção.
— Fechados!
Ele deu uma risadinha e voltou à posição de antes.
— Imagine que essa garota depende de você. Ela precisa que a ame, e vocês vivem como se a Seleção nunca tivesse acontecido. Como se você tivesse caído de paraquedas no meio do país para bater de porta em porta em busca de alguém, e mesmo assim a encontrasse. Ela seria sua escolhida.
O sorriso esperançoso voltou a surgir. E depois se alargou.
— Ela precisa que você cuide dela, que a proteja. E se chegasse o dia em que não houvesse absolutamente nada para comer, a noite em que você não pudesse nem dormir porque o ronco do estômago dela não permitisse...
— Pare!
Joseph levantou-se de uma só vez. Deu alguns passos pelo corredor e estacou, com o rosto virado na direção oposta de onde eu estava. Fiquei chateada comigo mesma. Não sabia que ele ficaria tão perturbado.
— Desculpe — eu disse em voz baixa.
Ele acenou com a cabeça, mas continuou olhando para a parede. Depois, voltou-se na minha direção. Seus olhos, tristes e cheios de dúvidas, buscavam os meus.
— É mesmo assim? — ele perguntou.
— O quê?
— Lá fora... Isso acontece? As pessoas sentem fome muitas vezes?
— Joseph, eu...
— Conte a verdade.
Os traços de seu rosto estavam firmes.
— Sim, acontece. Sei de famílias em que pessoas abrem mão de seu prato de comida para dar aos filhos ou irmãos menores. Sei de um menino que foi chicoteado na praça da cidade por roubar comida. Às vezes, as pessoas cometem loucuras quando estão desesperadas.
— Um menino? De quantos anos?
— Nove — disse sentindo calafrios. Ainda podia me lembrar das cicatrizes nas costas pequenas de Jeremy. Joseph esticou as costas, como se sentisse ele próprio as chibatadas.
— E você — ele limpou a garganta — já passou por isso? Fome?
Baixei a cabeça, o que já era uma pista. Não queria falar com o príncipe sobre isso.
— Como? — Joseph continuou a perguntar.
— Isso só vai deixá-lo mais irritado.
— Provavelmente — ele disse com um ar sério. — Mas agora estou percebendo o quanto desconheço meu próprio país. Por favor, continue.
Suspirei.
— Sofremos muito. Na maior parte das vezes, chegamos ao ponto de ter que escolher se compramos comida e ficamos sem eletricidade. O pior momento foi perto do Natal. Fazia muito frio, então usávamos montes de roupas, mas mesmo assim conseguíamos ver nossa própria respiração dentro de casa. Maddie não entendia por que não podíamos trocar presentes naquele ano. Em geral, nunca há sobras em casa. Alguém sempre quer mais.
O rosto de Joseph ficou pálido, e então me dei conta de que não queria vê-lo irritado. Eu precisava mudar o rumo da conversa, deixá-la mais positiva.
— Sei que os cheques que recebemos nas últimas semanas ajudaram muito. Minha família sabe lidar muito bem com dinheiro. Devem ter guardado tudo para que dure bastante. Você tem feito muito por nós, Joseph.
Tentei sorrir para ele, mas sua expressão permaneceu a mesma.
— Minha nossa. Quando disse que só estava aqui pela comida, você não estava brincando, estava? — ele perguntou, balançando a cabeça.
— É sério, Joseph, está tudo bem. Eu...
Não consegui terminar a frase. Ele se inclinou para mim e beijou minha testa.
— Vejo você no jantar.
E saiu, ajeitando a gravata.

4 comentários:

  1. Ai meu deus eu pensei que ele ia beija ela.
    Amei o Capitulo poste logo!! Beijos

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  2. Anônimo4/1/14 22:23

    Own..
    Não sei porque, mas esse capitulo foi muito fofo..
    Fofo, Joseph, seu fofo..
    haha
    Posta Logoo...u.u
    Beijoooo
    s2

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  3. Por favor me responde essa pergunta vc vai posta todo dia??

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